Tuesday, April 10, 2012

O doente deu entrada no serviço de urgência. A história era a típica, e ao exame objectivo não tive dúvida nenhuma. Era um tumor já muito avançado. Pedi à minha tutora para fazer o exame objectivo, na esperança de que eu estivesse errada. Não estava.  Não era o primeiro tumor que eu palpava. Não era o primeiro doente com um prognóstico não muito bom que eu via. No entanto, lembro-me perfeitamente do doente. Fui a primeira pessoa a perceber o que se passava, e isso marcou-me.  Encontrei-o umas semanas mais tarde, numa consulta com a mesma médica. Vinha mostrar os exames, já depois de ter começado o tratamento. Os exames não mostravam nada de bom. Nesse dia cheguei a casa com uma nuvem de tristeza à minha volta. Ainda foi na altura em que tinha alguém a quem contar o meu dia, e fi-lo. Obtive como resposta um É por isso que eu sei que vais ser boa médica, porque te preocupas realmente com os doentes, e ficas realmente triste com um mau prognóstico. Na altura não tive cabeça para pensar sequer no que me tinha sido dito, e embora não me recorde exactamente da conversa que se seguiu, sei que não contestei a resposta que me tinha sido dada. Até hoje.

A doente deu entrada no serviço de urgência. A história era atípica, e quem estava por lá não teve muita facilidade em fazer o diagnóstico. A doente foi internada e eu vi-a dois ou três dias depois. A doente estava irresponsiva. Pedi à minha tutora para trocar de doente, para ficar com um doente que falasse ,para poder escrever uma história. Não autorizou. Passei grande parte da manhã a fazer exame objectivo. Quando acabei falei com a interna, que me deixou consultar o processo. Segui a doente de todas as vezes que estive no serviço, até ao início das férias da Páscoa. Os problemas iam-se acumulando, e fui-me embora com a certeza de que quando voltasse a cama já estaria ocupada por um outro doente qualquer. Hoje entrei no serviço a comentar com um colega que queria ver se era desta que escrevia uma história completa. Percorria o corredor em direcção ao quadro do serviço, e instintivamente olhei para a cama que tinha deixado quase duas semanas antes. -Bom dia, Dona A!     -Bom dia, senhora doutora!  Hoje entrei em casa com um sorriso na face. Não tenho ninguém a quem contar o meu dia, e por isso escrevo sobre ele num blog que não é lido por praticamente ninguém. Mas se tivesse alguém a quem contar o meu dia, e esse alguém me dissesse que achava que eu vou ser boa médica porque fico genuinamente feliz quando um doente fica bem, não iria contestar. Porque finalmente percebi o que há em comum entre todos os médicos que eu admiro (para além das capacidades técnicas, claro está). Não é a capacidade de ficar em baixo com um diagnóstico ou um prognóstico menos bom. É a felicidade genuína que sentem quando um doente com um prognóstico menos bom recupera, e o facto de isso ser o suficiente para compensar qualquer tristeza sentida antes. 

5 comments:

  1. Eu também leio sempre os teus dias!

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  2. Poucos mas bons, suponho :)

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    1. De uma coisa tenho a certeza, essa actitude de ficares triste quando o diagnóstico é grave e a alegria genuína quando vês alguém recuperar faz de ti um belo ser humano.

      Um abraço

      Pedro Ferreira.

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    2. Obrigada pelo elogio, Pedro.

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