Sunday, April 27, 2014

O meu avô ensinou-me a fazer palavras cruzadas.

Tinha sempre revistas pequeninas em casa, com caras de pessoas famosas que não conhecíamos, nas quais desenhávamos bigodes e dentes pretos e chapéus. Ao sábado trazia sempre uma raspadinha para cada um - mais, se na semana anterior tivesse havido prémio. Quando percebeu que gostávamos de biscoito da teixeira, começou a trazer sempre que lá íamos. E quando percebeu que eu gostava de S. Marcos, começou a trazer também. O meu avô bebia sempre refresco de café no verão, primeiro com água das pedras, depois só com gelo, quando o médico proibiu a água com gás. Fazia brinquedos com rolhas de garrafa de vinho e cordéis para nós brincarmos com os gatos que por lá andavam. E dizia "o último a acabar a sopa é uma carroça velha!", e às vezes deixava-nos ganhar. O meu avô era sportinguista ferrenho, mas telefonava sempre que o Porto ganhava o que quer que fosse, só para dar os parabéns. Já há uns anos que o meu avô dependia de uma cadeira de rodas, mas manteve sempre o sentido de humor e mandava piadas - às vezes um bocadinho inoportunas (mais uma coisa que herdei?). Era teimoso - é de família!- mas não gostava da teimosia dos outros. De uma das últimas vezes que estive com ele, enquanto lhe dava o lanche, eu disse "Oh avô, come lá mais um bocadinho!", ao que me respondeu: "Não me chames avô!, se estás a teimar não me chames avô!".

O meu avô morreu há dois dias, mas os dias foram tão longos que pareceram semanas. E tenho saudades. O mau de não se acreditar em nada é que não acredito que esteja a jogar cartas na companhia dos amigos, enquanto espera por umas pataniscas de bacalhau a meio da tarde. Mas não preciso de acreditar em nada para saber que não vai ser esquecido - criou uma família grande que o vai recordar durante muitos, muitos anos.

Monday, April 21, 2014

Dizem-me que procuro alguém que não existe.

Existir existe, e é o homem da minha vida. Eu é que não sou a mulher da vida dele.