Monday, November 19, 2012

Numa das últimas vezes que lá estive em casa pediu-me que fosse buscar uma fotografia que estava em cima do móvel.
- Sou eu e o teu Tio. Lembras-te dele?
- Tenho uma memória vaga de jogar com ele às damas, na sala grande de casa da minha avó.
- Sim, o teu Tio gostava de jogar às damas.
Depois calou-se e ficámos algum tempo assim, a olhar para o passado. Não tenho grandes recordações do meu tio, apenas esta recordação vaga de jogar às damas. Não me lembro da sua morte, não me lembro do seu funeral. Só das damas. Tenho mais recordações da minha Tia, com o seu ar imponente, sempre muito pintada, impecavelmente arranjada. Ainda hoje, quando penso nela é esta imagem que me surge, ela há uns dez ou doze anos, o cheiro da maquilhagem misturado com o do perfume (Channel número 5?).

Estive em sua casa pouco mais de meia dúzia de vezes nos últimos quatro anos. Da primeira vez disse 'Estás enorme!', tal e qual como manda a tradição. Não falávamos muito. Eu levava-lhe uma caixa de bombons ou duas dúzias de bolachas e ela perguntava-me por todas as pessoas da família, uma por uma, como que a mostrar-me que sabia os seus nomes, embora os trocasse de vez em quando. Por vezes trocava mesmo o meu, confundindo-me com a minha mãe. Às vezes eu corrigia-a, outra vezes não. Quando chegava a hora de eu ir embora, agradecia-me a visita e chorava. Eu agarrava-lhe a mão e dizia que sim, que mandava cumprimentos à família toda.

A Vida não foi fácil com ela. Levou-lhe o marido, levou-lhe o filho e depois levou-lhe a juventude, a beleza e a vaidade. Nas últimas vezes que lá estive em casa estava com o cabelo por pintar e um fato de treino que também servia, com certeza, de pijama. Estava sentada numa poltrona com a televisão à frente, o som muito alto, a imagem muito distorcida. Via uma novela qualquer, 'É aquilo que me vai mantendo ocupada.'. Depois, por motivo nenhum, pediu-me que quando lá voltasse levasse fotografias dos meus primos. Havia alguns que ainda não tinha conhecido, e gostava de os ver. Disse-lhe que sim. Foi há meio ano. Nunca lhas levei.

A vida passa assim, a correr. Deixamos o rame-rame do dia-a-dia tomar conta de nós e esquecemos estas pequenas promessas. Hoje a Vida deu descanso à minha Tia. Depois de ter levado o marido, o filho, a juventude, a beleza e a vaidade, levou-a a ela. Connosco fica a imagem de sempre.

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