Tuesday, March 20, 2012

Cresci de porta aberta para a rua, a gritar "MÃÃÃE, VOU À JOANA!" enquanto corria porta fora para entrar na casa ao lado, também esta de porta aberta. Cresci sentada com os meus vizinhos nas escadas da entrada de minha casa nas noites quentes de Verão, primeiro com bonecas, depois com cartas e no fim já só mesmo com dois dedos de conversa. Cresci a respeitar os meus vizinhos da esquerda e a brincar com os meus vizinhos da direita. Nas férias grandes organizávamos um espectáculo com todas as crianças da rua e imprimíamos bilhetes de entrada e cantávamos e dançávamos. Lembro-me de uma vez em que escolhemos a música Tia Anica e com o dinheiro que ganhámos fomos no dia seguinte comprar um croissant de chocolate à pastelaria do bairro. Resultado do nosso trabalho.
Com 16 anos mudei de casa, para o meio do monte, um sítio com árvores e pássaros e esquilos e javalis, em que a casa mais próxima está a quase trezentos metros. Todas as semanas a minha vizinha percorre esses trezentos metros a pé para nos vir trazer um pão caseiro, que comemos muitas vezes ainda quente com manteiga. De vez em quando damos-lhe boleia para a cidade, pede-nos ovos porque os deixou acabar, passamos por lá para ajudar em qualquer coisa. Sabe que pode contar connosco.
Há quase quatro anos mudei-me para um apartamento em Lisboa. Tinha à minha esquerda uma família com dois miúdos, para aí com 4 e 10 anos, e à minha direita um casal idoso, a quem dizia "Bom dia!" no elevador. Não conhecia os outros moradores do prédio, mas encontrei muitos no elevador que nem ao "Bom dia!" responderam. Antes de mudar de apartamento, fiz bolachas de nata que pus em dois potes de vidro grandes com uma fitinha de tecido e fui levá-los aos meus vizinhos. É o que se faz no sítio de onde eu venho. A vizinha da esquerda agradeceu. A da direita não me abriu a porta.
Andamos todos ocupados. Corremos de um lado para o outro, lemos e mandamos mensagens nos elevadores, fechamo-nos na nossa casinha e não temos tempo para dizer "Bom dia!". Ou não arranjamos tempo para isso.
Hoje de manhã cruzei-me com o meu antigo vizinho da direita. Andava a passear o cão aqui na rua, e quando  o cão me viu desatou a correr e pôs-se de barriga para o ar para eu lhe fazer uma festa, como quando os encontrava no elevador. Fi-lo e disse "Bom dia!". O meu antigo vizinho olhou para mim e disse: "Costumava morar ao meu lado, não era? Era a menina que cumprimentava sempre! Bom dia, menina, bom dia!". ´
Como é que a boa educação pode ser a excepção e não a regra?!

1 comment:

  1. É uma raridade hoje, os vizinhos tratarem-se como vizinhos,mesmo nas aldeias vê-se cada vez menos.
    Os vizinhos dizerem bom dia já é muito bom e os que partilham coisas, nem todos o fazem com a intenção simples de partilhar, fazem-no por interesse. Mas felizmente ainda existem casos que são a excepção à regra. Lisboa é claramente uma cidade, onde o conceito de vizinhança não existe, as pessoas vivem em prédios, e neles em cima e ao lado uma das outras mas na cabeça delas vivem sozinhas.

    Um abraço

    Pedro Ferreira.

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