Tuesday, September 9, 2014

Tiro 3 dias de férias, que se somam aos 4 dias tirados no início de Julho e que perfaz um total de 7 dias desde o início de Janeiro. Abro as bibliotecas todas as manhãs, fecho-as em alguns dias, noutros estou em casa à hora do jantar para dar uso à secretária que tenho no quarto. Já lá vão 2 meses e meio de estudo intensivo, 10 meses se contarmos o tempo em que o dia foi dividido entre estudo e estágio. Ando de mochila às costas, o conhecimento a pesar figurativa e literalmente, as costas curvas para suportar o peso dos livros. Revejo tabelas no metro, post its com as manifestações, as alterações genéticas e o prognóstico de doenças que nunca vi, e das quais nunca tinha ouvido falar até este livro surgir à minha frente. Pelo meio mantenho a família, que liga de vez em quando para saber se está tudo bem, o meu pai a perguntar 'então, já sabes tudo?' uma e outra vez e eu sem coragem para dizer que tudo nunca se sabe. Caminho com outros tantos ao meu lado, todos no mesmo barco, todos agarrados ao bote salva-vidas que nos mantém à superfície e não nos deixa afogar no meio das lágrimas que correm com a terapêutica do mieloma múltiplo. Preocupo-me por 1 milésimo de segundo com o futuro mas rio assim que a senhora do banco me fala nas vantagens que virei a ter quando receber 3000 euros de ordenado (mas ela sabe que eu vou só ser médica?); lá lhe peço que me fale nas vantagens para quem recebe os 1200, porque é isso que me interessa, que é isso que hei-de receber durante muito, muito, muito tempo. Trato de papelada e desembolso 210 euros para me inscrever na Ordem, 'só começa a pagar quotas no próximo ano!' - obrigadinha pelo favor! Abro uma notícia qualquer com médicos no título e somos todos iguais, uns sacanas, uns gatunos que recebem 8000 euros por mês e juntam o privado e o público e não põem os pés no hospital e não querem saber dos doentes para nada. Rio-me com o rótulo que me foi posto ainda sem ter começado sequer a trabalhar, viro a página e tento a todo o custo decorar a lista de supermercado de causas de hiponatrémia, como é possível saber isto quando há 6 anos essa palavra nem existia no meu dicionário? Respiro fundo e digo a mim mesma que um dia esta informação pode ser útil (ou não.). Que esta foi a minha opção, e que não importa a quantidade de insultos, onde me sinto mesmo feliz é dentro de um bloco operatório, com as mãos na massa a arranjar uma solução para os problemas, mesmo que para isso tenha de estudar a maior parte do dia para um dia poder trabalhar a maior parte do tempo e receber 1200 euros que aos olhos dos outros são 8000. Respiro fundo e só peço que o trabalho compense. Porque estou cansada e já não tenho a certeza de ter forças de fazer isto tudo de novo no próximo ano, e talvez até nem fosse infeliz a trabalhar das 9 às 5 num sítio qualquer que não me fizesse o cabelo cair com o stress.

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