Wednesday, October 5, 2011

Sobre a sociedade, o amor e a vida.

A sociedade ensina-nos desde pequeninos que é suposto vivermos aos pares. Que um dos nossos objectivos de vida tem de ser arranjar alguém com quem partilhar todos os outros objectivos. Que devemos casar e ter filhos e fazer perdurar no tempo o nosso sangue e o nosso nome. Nada disto é obrigatório, mas arranjámos maneira de criticar em tom de gozo quem não o faz: falamos de solteirões, daqueles que ficam para tios, ... Os contos de fadas, os filmes da Disney, as histórias inventadas pelos pais e avós pegam nesta ideia e envolvem-na em magia. Falamos de casais felizes para sempre, com muitos filhos e muitos sorrisos para partilhar. O mau da fita fica sempre só. E assim nasce, em crianças muito pequenas, a ideia de que é preciso ter um namorado. E iniciam-se as brincadeiras de faz-de-conta, em que "faz-de-conta que eu sou uma senhora muito bonita e tu és um senhor muito forte e muito bonito e nós nos apaixonamos e tu perguntas se eu quero casar contigo e temos muitos filhinhos e vivemos felizes para sempre". (E a respostas passa inevitavelmente por um "E faz de conta que agora há uma guerra e morre toda a gente e ..." - os rapazes são sempre menos sensíveis aos contos de fadas do que as meninas...). Esta ideia de família perfeita em que o Marido traz o dinheiro para casa e a Mulher dá o útero e o amor perdura mais ou menos até ao 5º ou 6º ano, onde as raparigas tendem a ganhar a ambição de fazer mais do que ter filhos, e passam a sonhar com uma vida em que é possível conciliar tudo. Nesta altura os rapazes perdem a capacidade de ambicionar o que quer que seja, e quando o fazem é algo como "beber três cervejas seguidas", "dar um beijo à Rita de lá da turma" ou "conseguir copiar no teste sem a stôra dar conta". No secundário tendem a passar por uma fase em que até acham piada à Ciência, e "uma engenharia até era fixe", e conseguem arranjar algum tempinho para estudar nos intervalos de estar com a Teresa, que está tão apaixonada que voltou aos seus seis anos de idade, e só sonha em tirar um curso que não dê muito trabalho, casar e ter filhos.
Eu não me apaixonei a sério até ao último ano do liceu, e quando o fiz já tinha a Medicina tão enraizada na minha mente e no meu futuro que o sonho não se moveu nem um milímetro. Quando nos apaixonamos a valer, quer queiramos quer não, pensamos no futuro ao lado daquela pessoa; e comigo não foi diferente. Mas a dada altura tinha duas paixões incompatíveis, e acabei por ter de optar por uma delas. Fiquei sozinha e entrei em Medicina. E durante muito tempo não consegui deixar a sensação de que se estava sozinha era porque era a má da fita. A minha afilhada começou a pedir-me para lhe ler contos de fadas mais ou menos nessa altura, e eu voltei a achar que só podia ser feliz quando encontrasse alguém. E fui pouco feliz por isso durante bastante tempo.
Depois, cresci. Apaixonei-me no segundo semestre do primeiro ano da faculdade e um enorme desgosto fez-me repensar o meu modo de ver a vida. Estou-lhe muito grata por isso, fez-me sofrer mas ensinou-me a ver a vida com outros olhos. Desde então, sou feliz. Uns dias mais, outros dias menos. Continuo sozinha, eu e a Medicina. Continuo a ler romances e a ver comédias românticas e, de vez em quando, chego mesmo a acreditar em príncipes e em amor à primeira vista. Aprendi a estar e a gostar de estar sozinha, e da liberdade que isso me dá, embora não a goze tão frequentemente quanto isso. E um dia isso vai acabar; mais cedo ou mais tarde, vai acabar. Mas tenho vinte e um anos, e a probabilidade de a minha próxima relação não resultar é grande. Por isso escrevo isto, para me lembrar que um dia eu achei que não era possível ser feliz sozinha, e que a vida me ensinou a sê-lo. Bastou passar a ver a vida com outros olhos.

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